Livros de Areia

segunda-feira, 18 de setembro de 2006

"Vamos deixar passar um anjo?"

Era agoráfobo, tímido e de saúde muito débil. Nas ruas de Paris encontrou outro desalinhado, um polaco sem trabalho, com quem formou uma das duplas mais improváveis da história do cinema: a sua escrita cheia de alusões subtis e eruditas, e plena de ironia, encaixava na perfeição com a linguagem visual do seu companheiro. O cinema europeu é impensável sem o seu nome. Solitários, gente que via a vida de dentro do quarto para fora, gente que não cabia, loosers poéticos, sonhadores condenados: estão lá todos nos seus melhores filmes, sobretudo os que escreveu em dupla com Polanski. Se Beckett tivesse dito sim, só eles os dois teriam podido adaptar Godot. Em vez disso, fizeram Cul-de-Sac (1966, com o actor favorito de Beckett, Jack MacGowran) e What?(1973). E deixaram testamento: The Tenant (1976) é a visão tenebrosa e distorcida do que é ser doente, estrangeiro, só e pobre em Paris.
Quem viu Dance of the Vampires (1967) tantas vezes quantas devia, sabe que o título deste post é de um dos diálogos mais brilhantes desse filme. E recorda-se do Manual do Estudante Enamorado, uma edição fictícia da Universidade de Koenigsberg de 1832, onde se recomendava que, de mão sobre o ombro da amada, se "deixasse passar um anjo"... Para Gerard Brach, estava tudo nestes detalhes. (PM)


Addendum: onde mais senão em Inglaterra (onde o trabalho da dupla nunca foi esquecido), e onde mais senão no Guardian: um excelente texto de obituário sobre Brach.