Com respeito a um texto hoje saído no
Jornal de Negócios – para o qual fora entrevistado por telefone por Lúcia Crespo – sobre a situação do mercado editorial ("Concentração no mercado gera oportunidades de nicho", p. 20), apenas umas palavras de afinação.
Fora uma ligeiríssima distorção (terei dito que o nosso filão editorial se fincava numa literatura fantástica na veia de Borges, com abertura ao horror e a um ambiente mágico, dando os exemplos de Rhys Hughes e de
O Pássaro Pintado, e não que editavámos livros de "horror e magia") , uma cacofonia sintática que não proferi ("podemos mesmo especializarmo-nos?") e o facto de não ter apresentado a editora de valter hugo mãe como um exemplo de uma editora "generalista" (dei-a sim como exemplo de uma pequena editora que tentou o difícil equilíbrio entre a criação de um nicho e as tentativas mais "generalistas", como o título referido), considero-me bem citado. Faltou apenas contextualizar, mais uma vez, qual o tipo de livreiros referidos na peça: não são os livreiros independentes (de que dei exemplos na conversa) mas as grandes áreas e as cadeias.
Dito isto, considero que o tema é por demais pertinente, e que o ponto essencial da matéria não foi devidamente abordado:
a pequenez do mercado nacional (mesmo contando Angola e Moçambique),
aliada às suas lacunas culturais e económicas, como óbvio obstáculo a uma eficaz criação de "nichos" editoriais. Se considerarmos que um nicho é não apenas um segmento temático mas também uma parcela de leitores-alvo potenciais, então devo concluir que, se antes do fenómeno da concentração, a estratégia de
narrow casting era já arriscada (a não ser para os nichos de não-ficção, como os livros de auto-ajuda e demais conteúdos
new age, ou os livros sobre economia e
marketing, tão abundantes que passam quase por
mainstream), depois dessa concentração é ainda mais complicada. Pelas actuais formas de distribuição e revenda, não há possibilidades físicas de fazer depender uma editora de livros de ficção de género unicamente das vendas nas livrarias, que cada vez mais se queixam da inflação do número de títulos publicados.
E eis onde eu quero chegar (e que mencionei na entrevista):
só com uma mudança do paradigma de compra das livrarias para a net (directamente ao editor) e com um alargamento estruturado e apoiado do mercado editorial nacional ao Brasil poderemos começar a pensar em nichos editoriais. Os "poucos" leitores de São Paulo ou do Rio de Janeiro que gostam de ler livros de um determinado género são capazes de, juntos, perfazer uns bons milhares, e esses milhares juntos às poucas centenas de leitores em Portugal aguentariam uma pequena editora "de nicho". Não o fazem já porque não há uma política cultural concertada entre Portugal e Brasil que permita que um leitor brasileiro não pague uma fortuna no câmbio de moeda, acrescida das taxas de transferência bancária e, finalmente, dos famosos "fretes" de envio postal (um livro que custe 0,50 € de portes para Portugal pode custar 5 € para o Brasil). E estamos a falar de um país que fala uma língua comum e com quem, de repente, nos apeteceu assinar um acordo ortográfico que tem animado e excitado a Academia e os salões de há uns meses a esta parte.
Como sempre em Portugal, discute-se imenso a cor e a textura das telhas, e se condizem ou não com a pintura da fachada, antes de se desenhar o plano da casa e encomendar o cimento e os tijolos.
(Pedro Marques)PS: A propósito, ler
isto.