Livros de Areia

quarta-feira, 26 de julho de 2006

Somos todos passageiros


Agora há menos reposições de Verão, mas esta vale, para mim, por quase todas. The Passenger (Profissão: repórter) é o encontro perfeito entre a frieza analítica e a leveza poética de Antonioni e a New Hollywood da década de 1970, na pessoa do seu mais completo ícone, Jack Nicholson. Um thriller existencial, vindo até nós da era em que eles faziam sentido e eram bem feitos (Chinatown, O amigo americano, O vigilante). O que falhara em Zabriskie Point, é aqui conseguido e superado: até o deserto de Almeria parece mais enigmático do que o Death Valley, e não me lembro de ver o Sahara tão bem filmado. Em Barcelona, Gaudi deve ter saltado de espanto se lhe chegaram lá abaixo as imagens que Antonioni tirou da sua casa Güell. (Um plano que não me sai da cabeça: Nicholson de braços abertos, num funicular sobre o porto de Barcelona, com o mar em fundo). E tudo isto ao serviço da narrativa e da construção psicológica das personagens, sem devaneios, sem concessões. Ecos do Sul de Borges nesse homem que quer ser outro e, sem o saber (mas sem o combater), caminha para a morte numa terreola perdida e poeirenta (um dos melhores planos-sequência do filme, corrijo, um dos melhores planos-sequência, ponto, a morte no Hotel de la Gloria).
Um tesouro que o senhor Jack teve a bondade de guardar para nós, para sua merecida e eterna glória (e razão tinha ele ao dizer que este era MESMO o filme da sua vida). Valeu a pena esperar. E há muito que não me sentia tão bem ao sair de uma sala de cinema, o Nimas, no caso. (Nota: o copyright da imagem é da Sony Classics, que tem um excelente site sobre o filme)
(Pedro Marques)