Livros de Areia

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Para abrir o apetite

Na sessão do dia 16, na Pó dos Livros, José Mário Silva e Bruce Holland Rogers lerão um conto do seu "oponente", sendo que o conto "Efeito borboleta", já vertido entretanto para inglês por Luís Rodrigues, será lido por Bruce. Não sabemos que conto escolherá e lerá José Mário Silva, mas este que agora reproduzimos é um daqueles que ficam na memória e causam arrepios (sobretudo se lidos à luz da vela numa noite escura e ventosa). Eis "O Rei Duende" de Bruce Holland Rogers, um conto de Pequenos mistérios (tradução de Luís Rodrigues):

"Quando era pequeno, o meu pai contava-me histórias ao deitar, e a minha mãe perguntava-lhe de outra divisão:

— Não lhe estás a ler o poema, pois não?
— É o preferido dele! — respondia o meu pai com um piscar de olho.

Não sabia muito bem por que achava o meu pai que o poema do Rei Duende era o meu preferido. Todas as noites, depois de o ouvir, ficava muito tempo acordado, atento à escuridão. Acordava frequentemente numa choradeira durante a noite, e a minha mãe vinha para me abraçar. Ainda assim, todas as noites depois da última história, o meu pai abria o livro de poemas infantis e lia baixinho os versos sobre os espiões do Rei Duende:

A Lua é um olho para o Rei Duende
Ver como te estás a portar.
E se amuas, choras, berras ou gritas
As aranhas vão-lhe contar...

A maior parte do poema era dedicada aos meninos que se comportavam mal e ao que lhes acontecia quando o Rei Duende se apercebia disso. Um rapazinho desaparecia chaminé acima, apanhado por uma abominação negra. Uma menina era puxada para o fundo de um poço. E depois havia a Annie.

A pequena Annie partia os pratos
Ao jantar, era endiabrada.
Os pais mandaram-na para a cama.
Ai dela! Teve a sorte traçada.

O Rei Duende tem pés de areia
E nunca faz um som.
E quando a Mãe desfez a cama,
Eis o que ela encontrou:

Uma bola de cabelo encarquilhada,
Um dente, uma unha e um osso.
Mais nada restava da Annie
A não ser, talvez, um soluço.

O livro tinha uma figura do Rei Duende. Sentava-se, sorridente, no seu trono no bosque. A não ser pelo amarelo dos dentes e dos olhos, era feito de elementos da floresta—ramos, erva, areia, lama e folhas secas. Era difícil perceber onde acabava o bosque e começava o Rei Duende.

Certa noite, faltou a luz no nosso bairro mesmo antes da hora de ir dormir. Eu já estava de pijama, e o meu pai levava-me ao colo para o quarto. Não havia luz para me contar uma história, porém declamou de memória o poema:

A Lua é um olho para o Rei Duende
Ver como te estás a portar.
E se amuas, choras, berras ou gritas
As aranhas vão-lhe contar...

A lua tinha surgido à janela. Àquela luz mortiça, tudo o que podia ver eram as córneas nos olhos do meu pai e os dentes a brilhar.

E quando a Mãe desfez a cama,
Eis o que ela encontrou:

Enquanto declamava o poema, foi esboçando um sorriso cada vez mais largo. Os dentes adquiriram luz própria, e os olhos tornaram-se enormes. O resto do corpo desvaneceu-se até eu deixar de perceber onde acabava a escuridão e começava o meu pai.

Concluiu o poema, depois afagou-me o cabelo e disse o que sempre dizia quando me deixava a sós com as palavras do poema a pairar no ar negro.

— Porta-te bem — disse ele. — Porta-te muito, muito bem."

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

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5:13 da manhã  

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