Grãos de areia III
Alguns excertos dos nossos livros, que se encontram à venda nas livrarias indicadas na nossa lista, ou no nosso site. Ainda vão a tempo de levar um bom livro para férias.
"Foi um processo imparável. Como o tango, o futebol cresceu a partir dos subúrbios. Era um desporto que não exigia dinheiro e podia-se jogar sem mais nada do que a simples vontade de o fazer. Nos campos baldios, nas ruelas e nas praias, os rapazes crioulos e os jovens imigrantes improvisavam jogos com bolas feitas de meias velhas, cheias com trapo ou papel, e um par de pedras para simular a baliza. Graças à linguagem do futebol, que começava a tornar-se universal, os trabalhadores expulsos do campo entendiam-se às mil maravilhas com os trabalhadores expulsos da Europa. O esperanto da bola unia os nativos pobres com os camponeses que tinham atravessado o mar vindos de Vigo, Lisboa, Nápoles, Beirute ou da Bessarábia e que sonhavam construir a América a levantar paredes, a carregar fardos, a cozer pão nos fornos ou a varrer ruas. Bela viagem a do futebol: tinha sido organizado nos colégios e universidades inglesas, e na América do Sul alegrava a vida de gente que nunca tinha posto o pé uma escola. Nos campos de Buenos Aires e de Montevideu, nascia um estilo. Uma maneira própria de jogar futebol começava a impor-se, ao mesmo tempo que uma maneira própria de dançar se afirmava nos pátios milongueiros. Os dançarinos desenhavam filigranas, floreando-se nos limites de uma única laje de pavimento, e o futebolistas inventavam a sua linguagem no minúsculo espaço em que a bola não era pontapeada mas retida e possuída, como se os pés fossem mãos entrançando o couro. E nos pés dos primeiros virtuosos crioulos nasceu el toque: a bola tocada como se fosse uma guitarra, fonte de música."
(Eduardo Galeano, Futebol: sol e sombra, tradução de Piedade Pires, 12 €, pp. 48-49)
"Foi um processo imparável. Como o tango, o futebol cresceu a partir dos subúrbios. Era um desporto que não exigia dinheiro e podia-se jogar sem mais nada do que a simples vontade de o fazer. Nos campos baldios, nas ruelas e nas praias, os rapazes crioulos e os jovens imigrantes improvisavam jogos com bolas feitas de meias velhas, cheias com trapo ou papel, e um par de pedras para simular a baliza. Graças à linguagem do futebol, que começava a tornar-se universal, os trabalhadores expulsos do campo entendiam-se às mil maravilhas com os trabalhadores expulsos da Europa. O esperanto da bola unia os nativos pobres com os camponeses que tinham atravessado o mar vindos de Vigo, Lisboa, Nápoles, Beirute ou da Bessarábia e que sonhavam construir a América a levantar paredes, a carregar fardos, a cozer pão nos fornos ou a varrer ruas. Bela viagem a do futebol: tinha sido organizado nos colégios e universidades inglesas, e na América do Sul alegrava a vida de gente que nunca tinha posto o pé uma escola. Nos campos de Buenos Aires e de Montevideu, nascia um estilo. Uma maneira própria de jogar futebol começava a impor-se, ao mesmo tempo que uma maneira própria de dançar se afirmava nos pátios milongueiros. Os dançarinos desenhavam filigranas, floreando-se nos limites de uma única laje de pavimento, e o futebolistas inventavam a sua linguagem no minúsculo espaço em que a bola não era pontapeada mas retida e possuída, como se os pés fossem mãos entrançando o couro. E nos pés dos primeiros virtuosos crioulos nasceu el toque: a bola tocada como se fosse uma guitarra, fonte de música."
(Eduardo Galeano, Futebol: sol e sombra, tradução de Piedade Pires, 12 €, pp. 48-49)
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