Livros de Areia

quinta-feira, 19 de julho de 2007

Varinhas mágicas

A poucos dias do lançamento do último(?) volume da saga Potteriana, é difícil não reconhecer o esmagador poder com que esta série de livros tem tiranizado todo o sistema de comercialização de livros na última década. Juntamente com os livros de Dan Brown, este opus de J.K. Rowling moldou a face da procura e as estratégias da oferta.
Não sendo um leitor ou apreciador da série (e apesar de ter gostado muito do documentário J.K. Rowling: Harry Potter and Me da BBC, que me fez pensar que a série seria até bem mais interessante sem o hype mastodôntico à sua volta, dadas as qualidades da personalidade da autora, o seu inesperado domínio do desenho e os seus mais do que aparentes fantasmas no armário), esta tirania é-me sobretudo pesada na qualidade de produtor de livros, que terão necessariamente de penetrar esses circuitos comerciais, obstruídos agora pelo tráfego de dragões e quimeras voadoras. Por mais longe que nos sintamos do fenómeno, é impossível não sentirmos esse obstáculo.
E senti-o precisamente há uns tempos, quando, após o envio de alguns dos nossos títulos como amostra, procurei chegar à fala com o responsável pelo "produto livro" (e apenas este produto, atente-se) de uma grande superfície. Após conferir que os livros não tinham atravessado esse vasto hiato entre a secretária do correio recebido e o seu gabinete ("mas pode sempre enviar outros, ao meu cuidado"), a conversa rumou finalmente ao assunto. E quanto a este, havia pouco a conversar. Sensivelmente agastado pela proliferação de editoras e de livros, o responsável manifestou-se indisponível para a simples de tarefa de aferição da qualidade do produto pelo qual era responsável ("se tivesse de ler livros, não fazia outra coisa"), cortando uma resenha dos títulos que achávamos passíveis de estarem à venda numa grande supefície com a pergunta: "algum dos vossos títulos vende tanto como o Harry Potter?"
A essência desta argumentação não é, creio, e infelizmente, apanágio de responsáveis pela compra de livros de grandes empresas. O paradoxo aqui encerrado – um vendedor que se queixa da abundância do produto de cuja venda depende o seu negócio – é um sinal evidente da incapacidade dos sectores da revenda para diversificarem e enriquecerem a oferta, face ao filão monotemático que tem, qual maná, alimentado toda a indústria. Terá sido este o maior efeito da varinha mágica de Potter: a multiplicação do pão, e apenas do pão (esquecendo o peixe e o vinho, mas com alguma dose de manteiga de amendoim pelo meio, dado o público alvo), criando uma dieta rica em hidratos de carbono e gordura mas à qual falta a fibra que permite ao revendedor ser proactivo e antecipar e explorar filões alternativos: em suma, que lhe permita ser o que se supõe que deve ser. O resultado: vendedores que só querem vender o que já foi vendido aos milhares por outros e que se queixam do facto de terem de usar a inteligência comercial de que são supostamente munidos para seleccionar entre a vasta oferta que é o sustento e a justificação do seu emprego.
Se unirmos esta monomania temática à crescente amnésia dos revendedores (leia-se atrás a série de posts sobre a "descoberta" das edições de bolso) e à voraz concentração de editoras independentes sob a alçada de grupos de media pouco habituados a vozes independentes ou dissonantes, que mercado teremos a curto prazo?
(PM)

2 Comments:

Blogger Justa said...

A pergunta que me interessa, Pedro, é que mercado faremos a curto, médio e longo prazo?

3:57 da tarde  
Blogger LdA said...

Olá, Justa! Sim, a coisa anda a puxar para o pessimismo, mas... valham-nos as Index deste nosso Portugal! Vai dando notícias das tuas novas aventuras no blogue e dá um abraço à Márcia aqui da casa.

Pedro

8:39 da tarde  

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