Livros de Areia

domingo, 5 de agosto de 2007

A primeira Visão



Neste maelstrom lento e em passo de caranguejo que é a história da BD portuguesa de há 40 anos a esta parte, o episódio mais espectacular a notar é a Visão. Nascida um ano depois da Revolução de Abril, atravessou o Verão Quente de 1975 e, à imagem dos tempos, dissolveu-se no início de 1976.
Tudo ali estava certo, histórica e esteticamente. A BD "adulta" europeia atravessava, desde o Maio de 1968, o seu apogeu criativo, e a Visão enquadrava-se na melhor referência desta produção: o underground francês pós-Pilote de Hara-Kiri, Charlie e L'Echo des Savanes e essa seiva nova e muito rica que, precisamente pela mesma altura, a super-revista Métal Hurlant veio trazer, com um interesse mais acentuado pela ficção-científica e pelo fantástico lovecraftiano. Pela 1ª vez, na complicada história da BD portuguesa, uma revista nacional e feita unicamente por autores nacionais tinha nascido ao mesmo tempo (senão antes!) da mais arrojada vanguarda europeia.
O aspecto algo derivativo, e compreensível, do estilo de desenho (à sombra dos modelos incontornáveis da altura: Moebius, o Lone Sloane de Phillipe Druillet, a Pravda de Peelaert, Mandryka, Crepax) não pode ocultar a solidez narrativa e a espantosa energia criativa que emana destas páginas, desenhadas por Vitor Mesquita, Carlos Zíngaro, Isabel Lobinho, Carlos Barradas e outros (podem ler-se aqui uma série de mini-entrevistas feitas por Geraldes Lino com os autores). E, tal como na vanguarda francesa, também aqui o quotidiano ou a história recente tinham, pela primeira vez, expressão directa nas pranchas: tal como o racismo pós-Argélia em Cauchemard Blanc [sic] de Moebius, também a Guerra Colonial aparecia finalmente na BD nacional.
Mas se, em França, o dinheiro de Farkas pôde transformar a Metal Hurlant num objecto de luxo (cobiçado, entre outros, por Fellini) e, mais tarde, numa marca que se expandiu para os EUA, e as grandes editoras como a Casterman ou a Dargaud conseguiam manter revistas e carreiras, por cá não existiam banqueiros mecenas de artes "menores" e ao público faltava, porventura, ou a curiosidade ou a cultura visual para manter uma revista completamente actualizada num país ainda a tentar entrar no século XX.
Curiosamente, numa altura em que os ilustradores e desenhadores nacionais de alta qualidade abundam, a atomização de pequenos projectos editoriais parece prevalecer, 30 anos depois, sobre o conceito de revista congregadora. Once bitten...
(PM)

1 Comments:

Blogger arthur said...

sou brasileiro e fiquei muito interessado nesta revista. É possível conseguir cópias dela facilmente em Portugal? O trabalho de carlos Zíngaro é fácil também? (álbuns ou participações em coletâneas,revistas?)
trabalhei na Conrad editora (www.conradeditora.com.br) e estaria disposto a fazer trocas.
Meu e-mail é velot.wamba@gmail.com

Abraço,

Arthur Dantas

11:52 da tarde  

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