Livros de Areia

domingo, 5 de agosto de 2007

Uma Primavera que não durou



O David Soares e o João Maio Pinto tinham já feito o apelo, e o acaso de um meio-dia preguiçoso de Domingo acaba de me fazer cruzar com Verbd de Pedro Moura, que a RTP2 (de novo um canal de referência) está a exibir. A forma é excelente: a textura, a composição dos planos, o uso ora da frame negra, ora das barras paralelas, a montagem, a tipografia, apenas a dessincronia entre o som dos depoimentos a as talking heads parece algo estranha (mas resulta bem, por exemplo, com Dinis Machado, num excelente pedaço de filme). E, ali no meio, há uma "tese" de António José Gonçalves, que poderia ser transversal à pobreza de quase tudo o que se tenta produzir em Portugal: a nossa eterna condenação à ascendência "médio-burguesa" nacional, que não soube – ou à qual não foi permitido – dar o salto mental que uma revolução em pleno século XX poderia facultar. O tema da série, esse, não deixa de despertar melancolia.
A BD em Portugal, apesar da qualidade gráfica que surgiu ao longo dos anos (abundantemente evidenciada no documentário), mais do que um has been, é um never was. Pertenço à geração que começou a perder a Tintin, que apenas teve o Jornal da BD (alguém se lembra?) para ler durante anos e que viu passar o novo Mosquito como uma bala perdida. A LX foi o último estertor como tentativa de criar uma revista de banda desenhada de que me lembro. Em 30 anos, passámos do boom da BD franco-belga, e sobretudo da emergência de um underground de luxo francês pós-Pilote nos anos 1970 (via Métal Hurlant, Charlie Hebdo ou L'Echo des Savanes) para a movida espanhola dos anos 1980 e para a re-emergência do mainstream americano e a emergência da manga na década seguinte, mas por cá, para além da teimosia dos autores e divulgadores, nada se criou: a pobreza das revistas e das suas aventuras comerciais não incentivava as editoras a arriscar, e os salões e concursos mais não serviam do que para mostrar uma actividade (e, por vezes, criatividade) frenética que escondia a completa ausência de suporte em público, meios e objectivos.
Serve isto também para lembrar que se cumprem, por estes meses, 40 anos do início da revolução underground americana que, juntamente com algumas experiências de autores da Pilote por essa altura, trouxe à BD a sua carta de emancipação e alargou o espectro das possibilidades temáticas a níveis até então impensáveis. Robert Crumb, S. Clay Wilson, Gilbert Shelton ou Victor Moscoso (possivelmente, o mais dotado de todos, um designer gráfico e pintor genial que deixou a sua marca na fase psicadélica do grafismo americano) , partindo da revista Zap Comix, fizeram prolongar esse Verão de 1967 em São Francisco (mesmo depois da morte cultural de epifenómenos como os hippies de Haight-Ashbury) através da duradoura influência numa fatia do mercado e em luminárias actuais como Charles Burns, Chris Ware ou Daniel Clowes. Um Verão produtivo e que durou, contra uma Primavera que nunca floresceu em cheio.
(PM)