Negros labirintos de Praga

Porque sonha Borges, em Harvard e a um ano da sua morte, noite após noite, com a Praga fétida e sinistra de Rodolfo II, essa mesma para onde se dirigem John Dee e Edward Kelley em busca de fortuna e carregando um estranho manuscrito, que afirmam ter sido escrito pelos anjos? Um sonho apenas, ou o seu último labirinto, que o vem reclamar para as sombras? Uma fabulosa recriação dessa Praga mítica de finais do século XVI, capital da magia negra, onde nos embrenhamos profundamente nas 174 páginas de O sonho de Borges de Blanca Riestra. Apresentação dia 10 de Novembro no Fórum Fantástico e na FNAC do Chiado, com a presença da autora. Eis um excerto:

"Durante aquela viagem escura, por aquele túnel escuro que era a Boémia naquele ano, tivemos vários encontros de índole funesta. Ambos tínhamos uma carga de negrume às costas. Falávamos pouco. Mal comíamos. No terceiro dia cruzamo-nos com uma caravana de cómicos polacos que tinham consigo um urso amestrado e meio coxo. No décimo dia, nos arredores de Budejovice, um par de cães de selvagens devorou uma pomba à nossa frente. Duas semanas depois, perto do burgo de Cesky Krumlov, descobrimos o cadáver de uma jovem dependurado de um salgueiro muito belo. Recordo que a morta tinha as mãos intactas, (o resto do corpo tinha sido destroçado pelos corvos), umas unhas rosadas, de donzela, e que do pescoço lhe pendia um bezoar de bom tamanho. Kelley desmontou, e, enquanto eu vomitava a uma esquina, não conseguiu resistir à tentação de lhe examinar a dentadura apenas para, vendo-a em bom estado, retirar do bolso um pequeno alicate e arrancar com ele, um a um, todos os molares. Guardou-os numa bolsinha de veludo vermelho, e a esta na grande chibata de que nunca se separava. Seguimos caminho. E assim, após muitos dias intermináveis e muitas noites escuras, cheias de padecimentos e presságios, chegámos a Gratz."
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