Livros de Areia

terça-feira, 14 de agosto de 2007

Covadlo por Covadlo


Um excelente texto de Ricardo Duarte, no Jornal de Letras, baseado na entrevista feita a Lázaro Covadlo em Lisboa, por altura da apresentação de Criaturas da noite na Casa Fernando Pessoa em finais de Março. Lázaro Covadlo como nem nós o conhecíamos, na página 19 e sem sombra de pulga por perto: a honestidade é-lhe genuína. A foto é de Daniel Covadlo.

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Segunda habitação

A partir de hoje, ambos os inquilinos e senhorios desta casa usufruem de segunda habitação: João Seixas em Blade Runner (já estreada há alguns dias) e Pedro Marques em Montag. Escusado será dizer que a hospitalidade deste blogue se estende a essas novas e paralelas moradas.

Não há fome que não dê em fartura


Criaturas da noite com nova referência no Expresso. Repetida até, mas não nos queixamos: concordámos com o que fora escrito no início de Julho, e voltamos a concordar agora.
Mas a pérola do Actual deste fim-de-semana está num detalhe, contado por Camilo Mortágua, a propósito de Torre Bela, o mítico documentário realizado no Alentejo no Verão Quente de 1975 por um alemão de nome Thomas Harlan (e que a RTP2 passou há uns anos). Este Thomas era, afinal, filho de um outro Harlan, Veidt de seu nome, que realizara, nada mais, nada menos do que O Judeu Suss, o filme de propaganda anti-semita emblemático dos Nazis. Ao contrário de Leni Riefenstahl, Veidt Harlan pôde escapar ao opróbio do pós-guerra e continuar a trabalhar na RFA. Seria esse o fantasma que Thomas veio exorcisar a Portugal, movido por uma pulga incansável até conseguir captar em filme as contradições de uma Revolução tão anacrónica? (Harlan é um apelido sonante: Jan Harlan, primo de Thomas, foi cunhado e produtor executivo de Stanley Kubrick).

terça-feira, 7 de agosto de 2007

Pau de Canela (interlúdio oitentista)

Ainda a BD nacional (luxos de Agosto): alguém se lembra de um programa chamado Arroz Doce, apresentado pelo Júlio Isidro em meados dos oitentas? (pausa para que respirem fundo e olhem por cima do ombro, certificando-se de que ninguém vos apanha a ler algo sobre o Júlio Isidro)
Assim de memória, isto foi o melhor que me lembro dele (para além de ter lançado o Tony Silva): era um talk show nocturno, com um cenário interessante e com a particularidade de ter em cada programa um autor de BD que faria a sua parte de uma espécie de cadavre exquis narrativo: comporia uma prancha que continuava a história até ali e que seria continuada pelo autor seguinte. Lembro-me de ter ficado muito impressionado pela qualidade do trabalho de Carlos Zíngaro. Todos os Sábados, saía um jornal, o Pau de Canela, com bons textos humorísticos (na veia do Pão com Manteiga) e com a prancha desenhada em directo no programa. Vá lá, admitam, os anos 80 não foram tão maus assim...
(PM)

domingo, 5 de agosto de 2007

A primeira Visão



Neste maelstrom lento e em passo de caranguejo que é a história da BD portuguesa de há 40 anos a esta parte, o episódio mais espectacular a notar é a Visão. Nascida um ano depois da Revolução de Abril, atravessou o Verão Quente de 1975 e, à imagem dos tempos, dissolveu-se no início de 1976.
Tudo ali estava certo, histórica e esteticamente. A BD "adulta" europeia atravessava, desde o Maio de 1968, o seu apogeu criativo, e a Visão enquadrava-se na melhor referência desta produção: o underground francês pós-Pilote de Hara-Kiri, Charlie e L'Echo des Savanes e essa seiva nova e muito rica que, precisamente pela mesma altura, a super-revista Métal Hurlant veio trazer, com um interesse mais acentuado pela ficção-científica e pelo fantástico lovecraftiano. Pela 1ª vez, na complicada história da BD portuguesa, uma revista nacional e feita unicamente por autores nacionais tinha nascido ao mesmo tempo (senão antes!) da mais arrojada vanguarda europeia.
O aspecto algo derivativo, e compreensível, do estilo de desenho (à sombra dos modelos incontornáveis da altura: Moebius, o Lone Sloane de Phillipe Druillet, a Pravda de Peelaert, Mandryka, Crepax) não pode ocultar a solidez narrativa e a espantosa energia criativa que emana destas páginas, desenhadas por Vitor Mesquita, Carlos Zíngaro, Isabel Lobinho, Carlos Barradas e outros (podem ler-se aqui uma série de mini-entrevistas feitas por Geraldes Lino com os autores). E, tal como na vanguarda francesa, também aqui o quotidiano ou a história recente tinham, pela primeira vez, expressão directa nas pranchas: tal como o racismo pós-Argélia em Cauchemard Blanc [sic] de Moebius, também a Guerra Colonial aparecia finalmente na BD nacional.
Mas se, em França, o dinheiro de Farkas pôde transformar a Metal Hurlant num objecto de luxo (cobiçado, entre outros, por Fellini) e, mais tarde, numa marca que se expandiu para os EUA, e as grandes editoras como a Casterman ou a Dargaud conseguiam manter revistas e carreiras, por cá não existiam banqueiros mecenas de artes "menores" e ao público faltava, porventura, ou a curiosidade ou a cultura visual para manter uma revista completamente actualizada num país ainda a tentar entrar no século XX.
Curiosamente, numa altura em que os ilustradores e desenhadores nacionais de alta qualidade abundam, a atomização de pequenos projectos editoriais parece prevalecer, 30 anos depois, sobre o conceito de revista congregadora. Once bitten...
(PM)

Uma Primavera que não durou



O David Soares e o João Maio Pinto tinham já feito o apelo, e o acaso de um meio-dia preguiçoso de Domingo acaba de me fazer cruzar com Verbd de Pedro Moura, que a RTP2 (de novo um canal de referência) está a exibir. A forma é excelente: a textura, a composição dos planos, o uso ora da frame negra, ora das barras paralelas, a montagem, a tipografia, apenas a dessincronia entre o som dos depoimentos a as talking heads parece algo estranha (mas resulta bem, por exemplo, com Dinis Machado, num excelente pedaço de filme). E, ali no meio, há uma "tese" de António José Gonçalves, que poderia ser transversal à pobreza de quase tudo o que se tenta produzir em Portugal: a nossa eterna condenação à ascendência "médio-burguesa" nacional, que não soube – ou à qual não foi permitido – dar o salto mental que uma revolução em pleno século XX poderia facultar. O tema da série, esse, não deixa de despertar melancolia.
A BD em Portugal, apesar da qualidade gráfica que surgiu ao longo dos anos (abundantemente evidenciada no documentário), mais do que um has been, é um never was. Pertenço à geração que começou a perder a Tintin, que apenas teve o Jornal da BD (alguém se lembra?) para ler durante anos e que viu passar o novo Mosquito como uma bala perdida. A LX foi o último estertor como tentativa de criar uma revista de banda desenhada de que me lembro. Em 30 anos, passámos do boom da BD franco-belga, e sobretudo da emergência de um underground de luxo francês pós-Pilote nos anos 1970 (via Métal Hurlant, Charlie Hebdo ou L'Echo des Savanes) para a movida espanhola dos anos 1980 e para a re-emergência do mainstream americano e a emergência da manga na década seguinte, mas por cá, para além da teimosia dos autores e divulgadores, nada se criou: a pobreza das revistas e das suas aventuras comerciais não incentivava as editoras a arriscar, e os salões e concursos mais não serviam do que para mostrar uma actividade (e, por vezes, criatividade) frenética que escondia a completa ausência de suporte em público, meios e objectivos.
Serve isto também para lembrar que se cumprem, por estes meses, 40 anos do início da revolução underground americana que, juntamente com algumas experiências de autores da Pilote por essa altura, trouxe à BD a sua carta de emancipação e alargou o espectro das possibilidades temáticas a níveis até então impensáveis. Robert Crumb, S. Clay Wilson, Gilbert Shelton ou Victor Moscoso (possivelmente, o mais dotado de todos, um designer gráfico e pintor genial que deixou a sua marca na fase psicadélica do grafismo americano) , partindo da revista Zap Comix, fizeram prolongar esse Verão de 1967 em São Francisco (mesmo depois da morte cultural de epifenómenos como os hippies de Haight-Ashbury) através da duradoura influência numa fatia do mercado e em luminárias actuais como Charles Burns, Chris Ware ou Daniel Clowes. Um Verão produtivo e que durou, contra uma Primavera que nunca floresceu em cheio.
(PM)

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Legados



Na sua primeira grande entrevista, dada a Jonathan Rosenbaum em 1980, David Lynch confessou que, apesar de não ser um cinéfilo (Lynch estudara pintura em Filadélfia), 3 filmes se lhe tinham colado para sempre na retina e podiam ser considerados como influências directas. O facto de um desses filmes (além de Lolita de Stanley Kubrick e Sunset Boulevard de Billy Wilder) ser Persona de Ingmar Bergman poderá servir de resposta a quem se interroga sobre quem foi este realizador que agora faleceu, e qual o seu legado.
De notar que o último título da série de textos da CTA que publicámos, Uma peça de teatro, é da autoria de Erland Josephson, amigo e actor recorrente de Bergman.