O
David Soares e o
João Maio Pinto tinham já feito o apelo, e o acaso de um meio-dia preguiçoso de Domingo acaba de me fazer cruzar com
Verbd de
Pedro Moura, que a RTP2 (de novo um canal de referência) está a exibir. A forma é excelente: a textura, a composição dos planos, o uso ora da
frame negra, ora das barras paralelas, a montagem, a tipografia, apenas a dessincronia entre o som dos depoimentos a as
talking heads parece algo estranha (mas resulta bem, por exemplo, com
Dinis Machado, num excelente pedaço de filme). E, ali no meio, há uma "tese" de
António José Gonçalves, que poderia ser transversal à pobreza de quase tudo o que se tenta produzir em Portugal: a nossa eterna condenação à ascendência "médio-burguesa" nacional, que não soube – ou à qual não foi permitido – dar o salto mental que uma revolução em pleno século XX poderia facultar. O tema da série, esse, não deixa de despertar melancolia.
A BD em Portugal, apesar da qualidade gráfica que surgiu ao longo dos anos (abundantemente evidenciada no documentário), mais do que um
has been, é um
never was. Pertenço à geração que começou a perder a
Tintin, que apenas teve o
Jornal da BD (alguém se lembra?) para ler durante anos e que viu passar o novo
Mosquito como uma bala perdida. A
LX foi o último estertor como tentativa de criar uma revista de banda desenhada de que me lembro. Em 30 anos, passámos do boom da BD franco-belga, e sobretudo da emergência de um
underground de luxo francês pós-
Pilote nos anos 1970 (via
Métal Hurlant,
Charlie Hebdo ou
L'Echo des Savanes) para a
movida espanhola dos anos 1980 e para a re-emergência do
mainstream americano e a emergência da
manga na década seguinte, mas por cá, para além da teimosia dos autores e divulgadores, nada se criou: a pobreza das revistas e das suas aventuras comerciais não incentivava as editoras a arriscar, e os salões e concursos mais não serviam do que para mostrar uma actividade (e, por vezes, criatividade) frenética que escondia a completa ausência de suporte em público, meios e objectivos.
Serve isto também para lembrar que se cumprem, por estes meses, 40 anos do início da revolução
underground americana que, juntamente com algumas experiências de autores da
Pilote por essa altura, trouxe à BD a sua carta de emancipação e alargou o espectro das possibilidades temáticas a níveis até então impensáveis.
Robert Crumb,
S. Clay Wilson,
Gilbert Shelton ou
Victor Moscoso (possivelmente, o mais dotado de todos, um designer gráfico e pintor genial que deixou a sua marca na fase psicadélica do grafismo americano) , partindo da revista
Zap Comix, fizeram prolongar esse Verão de 1967 em São Francisco (mesmo depois da morte cultural de epifenómenos como os
hippies de Haight-Ashbury) através da duradoura influência numa fatia do mercado e em luminárias actuais como
Charles Burns,
Chris Ware ou
Daniel Clowes. Um Verão produtivo e que durou, contra uma Primavera que nunca floresceu em cheio.
(PM)