No forno: Chance
"Chance foi apresentado a alguns convidados. Apertou as suas mãos, enfrentou os olhares de homens e mulheres, e, mal conseguindo fixar o deles, disse o seu nome. Um homem baixo e calvo conseguiu encurralá-lo junto a uma imponente peça de mobiliário, cheia de ângulos aguçados.
— Chamo-me Ronald Stiegler, da editora Eidolon. Encantado por conhecê-lo, senhor Jardiner — disse, estendendo a mão. — Vimos a sua entrevista na TV com grande interesse. E acabo de ouvir, no rádio do meu carro, a caminho daqui, que o Embaixador Soviético mencionou o seu nome em Filadélfia...
— No seu rádio? Não tem televisão no carro? — perguntou Chance.
Stiegler fingiu achar graça.
— Já mal ouço o rádio. Com este trânsito louco, toda a atenção é pouca. — Interceptou um criado e pediu um vodka martini com gelo e uma rodela de laranja.
— Estive a pensar, tal como alguns dos meus colegas — disse, encostando-se à parede — se não estaria interessado em escrever um livro para nós. Algo sobre o que mais lhe interessa. Obviamente, o ponto de vista da Casa Branca é diferente do dos intelectuais e do dos trabalhadores comuns. O que me diz a isso? — esvaziou o copo em vários goles, e, quando um criado passou por perto com uma nova bandeja de bebidas, tirou outra. — Uma para si? — disse, sorrindo maliciosamente para Chance.
— Não, obrigado, não bebo.
— Senhor Jardiner, o que penso é que seria justo, e de grande vantagem para o país, promover a sua filosofia de uma forma mais alargada. A Eidolon ficaria muito satisfeita por poder servi-lo. Creio poder prometer-lhe, já aqui, um pagamento adiantado na ordem dos seis dígitos, contra posterior pagamento de direitos, e cláusulas muito agradáveis quando a direitos por reimpressão. O contrato poderia ser lavrado e assinado num ou dois dias, e o senhor poderia entregar-nos o livro, digamos, num ou dois anos.
— Eu não consigo escrever — disse Chance.
Stiegler sorriu depreciativamente.
— Claro, e quem consegue, hoje em dia? Não há problema. Podemos pôr à sua disposição os nossos melhores redactores e editores de conteúdo. Eu nem sequer consigo escrever um simples postal para os meus filhos! E depois?
— Nem consigo ler — continuou Chance.
— É claro que não! — exclamou Stiegler. — E quem é que arranja tempo para ler? Acabamos por dar apenas uma vista de olhos nas coisas, falar, ouvir, observar... Senhor Jardiner, confesso que, como editor, deveria ser o último a dizer-lhe isto, mas... hoje em dia, a edição não é propriamente um jardim florido.
— E que tipo de jardim é? — perguntou Chance com interesse.
— Bem, o que quer que tenha sido no passado, já não é. É claro, estamos ainda a crescer, a expandir-nos. Mas publicam-se demasiados livros. E com a recessão, a estagnação económica, o desemprego... Bem, como saberá, os livros já não vendem como antes. Mas, como costumo dizer, para uma árvore do seu porte, há ainda um bom pedaço de terra reservado. Sem dúvida: consigo ver Chauncey Jardiner a florir sob a chancela da Eidolon! Deixe-me enviar-lhe uma notazinha com a indicação das nossas ideias... e da quantia proposta. "
(Chance de Jerky Kosinski, tradução de Pedro Piedade)
Para que não haja confusões quanto ao tempo e ao espaço: a cena passa-se numa festa privada em Nova Iorque, no início dos anos 1970, e foi escrita por essa altura...
— Chamo-me Ronald Stiegler, da editora Eidolon. Encantado por conhecê-lo, senhor Jardiner — disse, estendendo a mão. — Vimos a sua entrevista na TV com grande interesse. E acabo de ouvir, no rádio do meu carro, a caminho daqui, que o Embaixador Soviético mencionou o seu nome em Filadélfia...
— No seu rádio? Não tem televisão no carro? — perguntou Chance.
Stiegler fingiu achar graça.
— Já mal ouço o rádio. Com este trânsito louco, toda a atenção é pouca. — Interceptou um criado e pediu um vodka martini com gelo e uma rodela de laranja.
— Estive a pensar, tal como alguns dos meus colegas — disse, encostando-se à parede — se não estaria interessado em escrever um livro para nós. Algo sobre o que mais lhe interessa. Obviamente, o ponto de vista da Casa Branca é diferente do dos intelectuais e do dos trabalhadores comuns. O que me diz a isso? — esvaziou o copo em vários goles, e, quando um criado passou por perto com uma nova bandeja de bebidas, tirou outra. — Uma para si? — disse, sorrindo maliciosamente para Chance.
— Não, obrigado, não bebo.
— Senhor Jardiner, o que penso é que seria justo, e de grande vantagem para o país, promover a sua filosofia de uma forma mais alargada. A Eidolon ficaria muito satisfeita por poder servi-lo. Creio poder prometer-lhe, já aqui, um pagamento adiantado na ordem dos seis dígitos, contra posterior pagamento de direitos, e cláusulas muito agradáveis quando a direitos por reimpressão. O contrato poderia ser lavrado e assinado num ou dois dias, e o senhor poderia entregar-nos o livro, digamos, num ou dois anos.
— Eu não consigo escrever — disse Chance.
Stiegler sorriu depreciativamente.
— Claro, e quem consegue, hoje em dia? Não há problema. Podemos pôr à sua disposição os nossos melhores redactores e editores de conteúdo. Eu nem sequer consigo escrever um simples postal para os meus filhos! E depois?
— Nem consigo ler — continuou Chance.
— É claro que não! — exclamou Stiegler. — E quem é que arranja tempo para ler? Acabamos por dar apenas uma vista de olhos nas coisas, falar, ouvir, observar... Senhor Jardiner, confesso que, como editor, deveria ser o último a dizer-lhe isto, mas... hoje em dia, a edição não é propriamente um jardim florido.
— E que tipo de jardim é? — perguntou Chance com interesse.
— Bem, o que quer que tenha sido no passado, já não é. É claro, estamos ainda a crescer, a expandir-nos. Mas publicam-se demasiados livros. E com a recessão, a estagnação económica, o desemprego... Bem, como saberá, os livros já não vendem como antes. Mas, como costumo dizer, para uma árvore do seu porte, há ainda um bom pedaço de terra reservado. Sem dúvida: consigo ver Chauncey Jardiner a florir sob a chancela da Eidolon! Deixe-me enviar-lhe uma notazinha com a indicação das nossas ideias... e da quantia proposta. "
(Chance de Jerky Kosinski, tradução de Pedro Piedade)
Para que não haja confusões quanto ao tempo e ao espaço: a cena passa-se numa festa privada em Nova Iorque, no início dos anos 1970, e foi escrita por essa altura...
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