Livros de Areia

domingo, 6 de maio de 2007

No forno: A Sereia de Curitiba

"Esmeraldas, sedas, ídolos de ouro – estão a caminho! – rubis, prata, açafrão, vinhos raros de velhas vinhas – aproximam-se! – papagaios, turquesas, âmbar, pérolas, baunilha – prestes a chegar!
Estas são as cargas que queremos na nossa ilha.
Marfim, jade, safiras, vestidos de cetim, chinelas orientais, papagaios, pimentas, jaspes, chocolate, couves…
Couves?! Quem pediu isso???
Falem, antes que perca a cabeça. Ah, foste tu, meu querido leitor! Mas que te deu para ordenares o envio de couves para o nosso fragmento de paraíso? Estrangeiros dizem que parte do céu quebrou-se e aterrou no oceano, e em dias como este, com o sol quente, a brisa fresca, a música da espuma nos meus ouvidos e raparigas bonitas a passearem na areia quente a abanarem as ancas, posso acreditar nisso. Mas tu não vives aqui. Não tens o direito de apresentar couves.
Por falar em apresentações, não podemos conhecer-nos formalmente um ao outro fora de portas, num sítio onde os únicos nomes que são trocados são os de amantes. Entra na minha casa. Fecha a porta de cana atrás de ti e senta-te. Odeio couves. Não existe nada de romântico nelas.
Enquanto falas, vou afinar a minha guitarra.

É verdade que me insinuei nesta história e enviei-vos couves. É o que merecem, sua cambada preguiçosa de hedonistas. Aqui estou eu, preso em (inserir nome de cidade) com toda a sujidade e tráfico, enquanto vocês dançam pelas noites fora a fazerem todo o tipo de coisas sensuais, como espremerem pêssegos nos corpos uns dos outros. Não é justo e não tenciono aturar isso. Mal vi o título desta história, adivinhei o que estava para vir e decidi fazer qualquer coisa sobre isso antes que começasse. As couves são ficcionais, por isso, não tenho que pagar por elas. Mas o que irão vocês fazer com elas, quando forem descarregadas por esse galeão esplêndido? Vão deixá-las apodrecer numa pilha no cais, aposto. Farão o vosso melhor para ignorá-las, mas não irão desaparecer.
E chega deste disparate de “querido leitor”. Não há nada de querido sobre mim. Tenciono ser reles a partir de agora, o mais reles possível que conseguir ser, e isso é uma outra forma como tenciono arruinar o vosso paraíso vistoso. Arrebatamento terno num clima aromático, fazer amor nas ondas e comer cocos? Pah! Cheguei à idade de (escrever em lápis para que possa ser alterado mais tarde) e nunca fiz isso ainda, logo, não vejo razão porque tenho que me sentar aqui, submisso, e ler sobre isto, sem me infiltrar. Nem pensar! Você esperava realmente aparecer e não fazer os seus leitores invejosos? É assim tão estúpido? Porque se não é, então queria deliberadamente magoar-nos, e nunca nenhum simplório irá ser eleito como Chefe da Ilha do Beijo Picante.
O que significa que tem mau carácter, a obter prazer das frustrações dos outros. Excita-o saber que somos miseráveis? Fá-lo sentir-se especial? E não pense que vou perder o meu fôlego para que possa voltar à sua história. Quando me sentir cansado ou precisar de uma pausa, copio outro documento para aqui, tenho muitos por onde escolher, tudo serve para o manter fora da página. Não sou exigente. Permiti que o início fosse contado porque quero que os leitores que vierem depois de mim saibam que você existe e que estou a ter a minha vingança. Se eu tivesse usurpado a história desde a primeira palavra, não estaria ali de todo, e as pessoas assumiriam que esta história pertencia-me por direito e o título seria incongruente, tendo que ser alterado. É melhor assim. Agora toda a gente sabe que estou a falar consigo."
("Cultos de carga na Ilha do Beijo Picante", in A Sereia de Curitiba de Rhys Hughes, tradução de Safaa Dib)

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

HUMMM... ESSA ILHA REALMENTE ME PARECE UM PEDAÇO DE PARAÍSO!
ALREADY MISS THIS MAGIC PLACE! :-)
SO SWEET!!! JUST LOVED IT!

11:58 da tarde  

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