Livros de Areia

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Aqui não há nada de paradisíaco



São palavras de Henning Mankell, e são sobre África. Estão na introdução a Os Antílopes, que este autor (mais conhecido pelos policiais traduzidos um pouco por todo o mundo) escreveu para exorcisar alguns demónios muito incómodos para a boa consciência da "cooperante" Europa (e Mankell sabe do que escreve: vive boa tarde do tempo em Maputo). Este é o texto (cru, tenso mas hilariante) que a Companhia de Teatro de Almada levará à cena em peça com estreia no dia 30 de Outubro, no Teatro Municipal de Almada.

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terça-feira, 14 de outubro de 2008

Apresentações

Há dias, na caixa de comentários de um post sobre a (sobrevalorizada) questão do fim dos 10% de desconto na FNAC (post que teve referência, entre outros, no Blogtailors), um auto-indigitado e (claro está) anónimo "PR" das LI (Livrarias Independentes) deixou o seguinte comentário:

"Então e se a LdA pedisse à sua distribuidora que se fosse apresentar às LI? É que há LI que não conhecem a vossa distribuidora. E depois queixam-se de ficarem com as calças na mão quando a fnac muda a estratégia, tal a vossa dependência dela."

Esta obra-prima do desagravo teve a resposta ao mesmo nível na mesmíssima caixa de comentários. Custa-nos crer (e, de facto, não cremos) que tal prosa tenha partido de um livreiro (independente ou não), mas, porque foram ali mencionados agentes e entidades com quem temos trato directo e indirecto, tomámos a iniciativa de contactar as LI (no espírito de transparência que deve imperar nos canais de informação entre editores e livreiros), seguindo a listagem disponível no blogue da Pó dos Livros, com a excepção da livraria Solmar em cujo blogue não se encontrou qualquer email de contacto.

Do email, permitimo-nos, e no espírito da supra-referida transparência, transcrever este excerto:

"Mesmo quando pequenos editores e distribuidores não podem oferecer jantares em que se 'apresentam' aos livreiros, os canais de informação e troca de impressões estão abertos em permanência e são até bastante baratos. (...) As Livrarias (Independentes ou não) não devem afirmar-se apenas quando uma grande cadeia resolve acabar com um desconto sobre o PVP (coisa que é até benéfica, do ponto de vista do editor): é sua obrigação prestar sempre um serviço condigno a leitores e a toda a comunidade ligada ao livro em geral, editores incluídos, coisa que sabemos que as livrarias designadas pela sigla LI fazem, tendo nós mesmo até elogiado no nosso blogue algumas delas, e outras livrarias independentes, muito tempo antes de tal sigla existir."

A única resposta que obtivemos (da livraria Trama, de Lisboa, através dos livreiros Catarina Barros e Ricardo Ribeiro ) será considerada por nós como representativa de todas as livrarias contactadas, e o assunto fica aqui encerrado, pelo que nos toca.

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domingo, 5 de outubro de 2008

Pagamento por conta

Eduardo Catroga acaba de dizer, na TSF (Discurso Directo), que o Pagamento por Conta, pelo menos em período de crise ou recessão, deveria ser eliminado, até pela sua lógica essencial (a cobrança sobre rendimentos e lucros que ainda não se verificaram), acabando por confirmar a essencial injustiça deste imposto, um vestígio da reacção histérica à "crise" das finanças no pós-guterrismo.
Catroga foi, para os que já não se lembram, ministro das Finanças (o último) do governo de Cavaco Silva, o actual Presidente, que ontem, perante "jovens empresários", afirmou que estes não devem estar "encostados" ao Estado. O mesmo Estado, note-se, que cobra por Conta (e sem outra justificação que não seja a mera obrigação de pagamento) a micro empresas como a nossa em mais de 3 prestações por ano, e isto desde o segundo ano de existência.
Alguém resolve este quebra-cabeças?

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Só nos faltam as qualidades





Pela mão de António de Macedo (e do João Seixas), e quarenta anos depois, o fantasma lúcido de Almada Negreiros pairou durante uns 20 minutos no Auditório das Belas-Artes. Envolto no mesmo negrume que cercava o ex-boxeur Belarmino no filme de Fernando Lopes, mas irradiando uma luz de inegável optimismo e suprema inteligência, as suas palavras (as últimas registadas em filme) ecoaram num documentário "perdido" cuja rodagem e rocambolesca apresentação ao Exame Prévio foram evocadas com humor pelo seu realizador durante a sessão que constituiu, de facto, uma homenagem a um dos casos mais excêntricos (no sentido exacto da palavra) do cinema português.





A qualidade de montagem (com um uso muito criativo e hábil do split screen) e da pesquisa iconográfica e o absoluto valor de arquivo para qualquer estudioso da obra de Almada Negreiros só merecem espanto perante a sua inexistência em suporte DVD no mercado e fazem jus às palavras lapidares com que Almada termina o filme, retiradas de um texto seu de 1916: "coragem portugueses, só vos faltam as qualidades". Um dia depois da morte de Dinis Machado, é caso para dizer que, além das qualidades, vai-nos faltando quem nos aponte a falta delas.
A sessão contou com a presença de José de Matos-Cruz. António de Macedo é o pai de Susana de Sousa Dias, a realizadora do premiado documentário Natureza Morta.

(Agradecimentos ao João Seixas pela cedência das imagens do filme)



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sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Dinis Machado



Lembro-me de, em 1978 ou 79, numa ida a Vila Nova de Cerveira, o meu pai levar um exemplar (já na sua 7.ª ou 8.ª edição, e já com uma fita vermelha a assinalar a proeza) de presente de aniversário à minha prima com o intuito de lhe revelar esse livro "importante", cujo título me intrigava pela aparente falta de um i em Molero... Li-o quase 20 anos mais tarde e percebi a razão daquela urgência: continua a ser um texto seminal, contagiante e, talvez, o mais genuíno livro de culto português da segunda metade do século XX, até pela quase escandalosa ausência de continuação no currículo de romances do seu autor. Num tempo em que um jovem "autor" aspira à alta rotação de um primeiro romance "histórico" de 400 páginas e, queiram Deus e as eminências do mercado, à repetição da lucrativa fórmula de 2 em 2 anos, é com muda admiração que este livro deve ser olhado, bem como o exemplo de modéstia e economia do seu autor, cujo génio pode ter estado precisamente em saber que em torno de um pico gigantesco se cultivam espaços mais rasos e serenos para contemplação e repouso.
(PM)

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Os dez por cento

Pode parecer um paradoxo, vindo de pequeníssimos editores, mas daqui nunca saiu uma crítica à FNAC. Pelo contrário. Foi graças ao interesse da FNAC que pudemos afirmar-nos. Ao contrário de outra(s) cadeia(s), a FNAC nunca nos fechou a porta e foi deles – com o argumento da qualidade reconhecida pelos insistentes pedidos de livros nossos aos seus balcões – que partiu o convite para que passássemos a ser fornecedores a conta firme e já não apenas remetentes de consignações (ao contrário de outras cadeias onde nos foi sempre barrada a entrada, sendo precisamente essa insistência dos pedidos ao balcão que virou a situação – o que era "impossível" e que dava direito a fim de conversa telefónica, passou, por milagre, a ser... possível). Foi essa elasticidade de processos que frequentemente elogiámos e que vimos expressa nas amabilíssimas recepções que tínhamos aos nossos pedidos de apresentações (pelas quais nunca nos pediram qualquer contrapartida, e de que guardamos memórias muito boas). Além disso, a FNAC encomendava com generosidade as novidades e pagava a horas (em 2006 isso era RARO). É, pois, essa FNAC que continuamos a louvar, a mesma onde, de forma improvisada e graciosa, alguns livreiros recomendaram livros nossos a leitores que no-lo comunicaram posteriormente (o Fernando Alvim foi um deles, a quem foi recomendado o Chance na livraria do Chiado).
Sinais de uma certa mudança começaram a chegar-nos em 2007, sobretudo pela redução dos pedidos de novidades. Outros e mais preocupantes ecos chegaram mais recentemente, e, aí, tenho de confessar que me enganei: se de facto as coisas vão mudar para o que parecem estar a mudar, então aquilo que eu esperei e julguei que acontecesse, que a FNAC contagiasse o restante mercado de oferta com a mesma abertura a pequenos fornecedores, limpando a sufocante imagem de reservatórios de best-sellers à boca das livrarias e outras áreas da concorrência (nunca lá nos disseram, como numa conversa com o comprador de uma grande superfície, "vocês têm algum livro que venda tanto como o Harry Potter?") pode mesmo não se concretizar. No preciso momento em que a FNAC sente chegada a ansiada liderança, começa a cortar com o que a fazia ser uma referência. Note-se que pouco me importa o fim dos 10% nos PVP (como editor, é-me benéfico, e como comprador não me afecta pois sou cada vez mais cliente do carteiro como livreiro ao domicílio). O me inquieta é o iminente fim de outras coisas, cuja percentagem na existência de um pequeno editor é de bem maior monta.
(PM)

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I haven't seen the future

Da conversa que ontem teve lugar no Auditório da Faculdade de Belas-Artes sobre o futuro da leitura e seus interfaces, retenho sobretudo a oportunidade de ter conhecido o Paulo Ribeiro, da Gailivro, e de ter, pela primeira vez, conversado com o Nuno Seabra Lopes. O Luís Filipe Silva e o José Mário Silva são já velhos conhecidos.

Pela parte que me tocou, tentei acentuar que o formato livro que actualmente conhecemos é por demais fascinante para ser tão facilmente descartável ou substituível: trata-se de uma questão geracional que terá a sua devida evolução à medida que estes jovens que agora saem das escolas primárias comecem a ser agentes leitores e compradores. Para os thirty-something trata-se ainda de uma velha relação de amor-ódio (entre as obrigações escolares e a excitação das primeiras escolhas, do livro que íamos comprar já sem a orientação paterna, da assunção de um gosto pessoal). As novas tecnologias irão certamente moldar o conteúdo, tal como a forma, do que for sendo publicado, e a maior mudança será sobretudo a facilidade de contágio, i.e., a possibilidade de passarmos excertos ou obras completas a alguém e, em minutos, partilharmos o entusiasmo por um texto: o livro é ainda um objecto que remete para a intimidade, duas portadas que se fecham sobre um eixo e nos isolam do mundo.

De resto, tentei falar de mercado. A leitura de duas obras fundamentais para entender as mudanças no mercado editorial americano (e, por inerência dos processos da globalização, mundial), The Business of Books de André Schiffrin e Book Business de Jason Epstein, numa oscilação entre uma visão mais apocalíptica e outra mais moderadamente integrada (para usar a famosa dicotomia criada por Umberto Eco), teve em mim um efeito de curiosa contra-corrente: ler sobre esses heróicos editores da última vaga da edição realmente independente (até aos anos de 1980), um Jonathan Cape, um Barney Rosset, um Lyle Stuart, etc, não tanto pelo lado da edição literária, mas pelo lado das estratégias de (auto-)promoção e de visão da actividade de editor como pertencente a uma larga tradição de serenos troublemakers. O mercado não dita a actividade editorial; se o faz, o resultado é sempre fraco. A ilusão da necessidade de surfar essa onda pela crista está bem exposta na resposta do editor da Houghton Mifflin, de Boston, em finais dos anos 1970, quando justificou a rejeição em bloco da chancela a um takeover de uma corporação da Costa Leste:

"Generally, the arguments offered us were on the order of 'If you become part of us, you will have all the advantages of a large corporation - the greater resources, the greater management skills, and the like.' We were not impressed. Because if you look at how some of the major publishing companies acquired by communications or electronics conglomerates were doing as independents in, say, the early 1960's and how they are doing today, they're not such major companies now."
(in Thomas Whiteside, The Blockbuster Complex - Conglomerates, Showbusiness and Book Publishing, p. 124-125, Wesleyan Univ. Press, 1981)

Ainda houve tempo de falar de um livrinho que é uma verdadeira lição para quem se queira aventurar a editar hoje: A boy at the Hogarth Press de Richard Kennedy, mais do que uma pitoresca crónica do desaparecido mundo dourado da Bloomsbury dos anos 1920, é a prova de que uma pequena editora só pode deixar uma marca se os seus editores controlarem todo o processo de produção do livro e dos conteúdos para a sua promoção. Na altura, tratava-se de um misto da herança de William Morris (quem quer fazer algo, aprende a fazê-lo) e de uma leve e irónica referência marxista (o "controle dos meios de produção" era agora assumido por indivíduos da elite social, como Leonard e Virginia Woolf); hoje, com os espantosos e pouco onerosos meios tecnológicos que um pequeno editor tem à disposição, trata-se de um exemplo de disciplina, inventividade, economia e teimosia que urge impor.
(PM)

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quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Amanhã, no Fórum Fantástico

Pelas 18:30, no Auditório da Faculdade de Belas-Artes de Lisboa, estarei presente, como co-editor da Livros de Areia, num debate sobre o futuro dos livros a nível tecnológico e sob a denominação “Existe ainda futuro no verbo ler?”. Tentarei arrastar o debate para a discussão de algo que creio que está antes, acima e além da tecnologia, que é o mercado do livro, e levo algodão para tapar os ouvidos às vaias do tecnófilos.
Outros debatentes serão (na lista publicada já) Nuno Seabra Lopes, José Mário Silva e Paulo Ribeiro, com a moderação a cargo de Luís Filipe Silva.
(PM)

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