Da conversa que ontem teve lugar no Auditório da Faculdade de Belas-Artes sobre o futuro da leitura e seus
interfaces, retenho sobretudo a oportunidade de ter conhecido o
Paulo Ribeiro, da Gailivro, e de ter, pela primeira vez, conversado com o
Nuno Seabra Lopes. O
Luís Filipe Silva e o
José Mário Silva são já velhos conhecidos.
Pela parte que me tocou, tentei acentuar que o formato
livro que actualmente conhecemos é por demais fascinante para ser tão facilmente descartável ou substituível: trata-se de uma questão geracional que terá a sua devida evolução à medida que estes jovens que agora saem das escolas primárias comecem a ser agentes leitores e compradores. Para os
thirty-something trata-se ainda de uma velha relação de amor-ódio (entre as obrigações escolares e a excitação das primeiras escolhas, do livro que íamos comprar já sem a orientação paterna, da assunção de um gosto pessoal). As novas tecnologias irão certamente moldar o conteúdo, tal como a forma, do que for sendo publicado, e a maior mudança será sobretudo a facilidade de
contágio, i.e., a possibilidade de passarmos excertos ou obras completas a alguém e, em minutos, partilharmos o entusiasmo por um texto: o livro é ainda um objecto que remete para a intimidade, duas portadas que se fecham sobre um eixo e nos isolam do mundo.
De resto, tentei falar de
mercado. A leitura de duas obras fundamentais para entender as mudanças no mercado editorial americano (e, por inerência dos processos da globalização, mundial),
The Business of Books de André Schiffrin e
Book Business de Jason Epstein, numa oscilação entre uma visão mais
apocalíptica e outra mais moderadamente
integrada (para usar a famosa dicotomia criada por Umberto Eco), teve em mim um efeito de curiosa contra-corrente: ler sobre esses heróicos editores da última vaga da edição realmente independente (até aos anos de 1980), um Jonathan Cape, um Barney Rosset, um Lyle Stuart, etc, não tanto pelo lado da edição
literária, mas pelo lado das estratégias de (auto-)promoção e de visão da actividade de editor como pertencente a uma larga tradição de serenos
troublemakers. O mercado não dita a actividade editorial; se o faz, o resultado é sempre fraco. A ilusão da necessidade de
surfar essa
onda pela crista está bem exposta na resposta do editor da Houghton Mifflin, de Boston, em finais dos anos 1970, quando justificou a rejeição em bloco da chancela a um
takeover de uma corporação da Costa Leste:
"Generally, the arguments offered us were on the order of 'If you become part of us, you will have all the advantages of a large corporation - the greater resources, the greater management skills, and the like.' We were not impressed. Because if you look at how some of the major publishing companies acquired by communications or electronics conglomerates were doing as independents in, say, the early 1960's and how they are doing today, they're not such major companies now."(in Thomas Whiteside,
The Blockbuster Complex - Conglomerates, Showbusiness and Book Publishing, p. 124-125, Wesleyan Univ. Press, 1981)
Ainda houve tempo de falar de um livrinho que é uma verdadeira lição para quem se queira aventurar a editar hoje:
A boy at the Hogarth Press de Richard Kennedy, mais do que uma pitoresca crónica do desaparecido mundo dourado da Bloomsbury dos anos 1920, é a prova de que uma pequena editora só pode deixar uma marca se os seus editores controlarem todo o processo de produção do livro e dos conteúdos para a sua promoção. Na altura, tratava-se de um misto da herança de William Morris (quem quer fazer algo, aprende a fazê-lo) e de uma leve e irónica referência marxista (o "controle dos meios de produção" era agora assumido por indivíduos da elite social, como Leonard e Virginia Woolf); hoje, com os espantosos e pouco onerosos meios tecnológicos que um pequeno editor tem à disposição, trata-se de um exemplo de disciplina, inventividade, economia e teimosia que urge impor.
(PM)
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